terça-feira, 29 de março de 2011

Entrevista Atriz Darlene Glória

Quero fazer novela
Darlene Glória enterra o passado de drogas e tristezas numa autobiografia, pretende fazer um filme sobre o livro e prepara-se para voltar à carreira de atriz
CELINA CÔRTES
Com um extenso currículo de ex-candidata a miss, ex-cantora de rádio, ex-atriz de circo, ex-namorada do policial da repressão Mariel Mariscot, ex-drogada, ex-interna no Hospital Psiquiátrico Pinel e ex-filha-de-santo, a atriz capixaba Darlene Glória, nascida Helena Maria Glória Vianna, 56 anos, hoje não se restringe a militar somente na Assembléia de Deus, religião que, segundo ela, abraçou para encontrar a paz. É verdade que o passado que sepultou sua vivacidade e seu indiscutível talento também foi enterrado com a virada radical que deu há 25 anos. Mas, depois de espalhar pelos quatro cantos a palavra de Deus e ficar restrita aos trabalhos evangélicos e do lar, ela percebeu que esse mesmo Deus a liberou para voltar à carreira de atriz. Uma carreira, diga-se, que, se não fosse atropelada pelas loucuras que cometeu e pelas montanhas de drogas que consumiu, ainda seria repleta de brilho. Quem não viveu os anos 70 e assim, na mesma década, não pôde acompanhá-la como a grande musa do cinema nacional de então não tem idéia do talento de Darlene Glória. Seu vigor nas telas era insuperável. Tão insuperável que foi difícil para Marília Pêra no momento reconstituir nos palcos o clássico de Nelson Rodrigues Toda nudez será castigada, texto adaptado para o cinema com Darlene no papel da prostituta Geni.
Revigorada depois de uma vida religiosa, a atriz inicia uma nova fase em sua vida. Faz parte desse processo o lançamento de Uma nova Glória (Editora Vida, 198 págs., R$ 13,90), biografia que passa sua trajetória a limpo e que será transformada em filme sob a batuta do velho companheiro de guerra Roberto Faria, produtor do premiado Toda nudez será castigada, primeiro sucesso de Arnaldo Jabor como cineasta. Nascida em São José do Calçado, Espírito Santo, Darlene cresceu em uma família pacata e religiosa, protegidíssima como segunda filha de seis irmãos. Sua avó era a parteira da cidade e o pai, agente dos Correios. A mãe, dona de casa, foi quem mais brigou por sua conversão. "Aprendi o Evangelho até os 12 anos, quando nos mudamos para Cachoeiro de Itapemirim", lembra a atriz, que se fixou no Rio de Janeiro no auge da carreira. Darlene Glória voltou dos Estados Unidos há um ano, onde passou cinco. Atualmente mora em um espaçoso apartamento em Copacabana, zona sul carioca, com seus quatro filhos, entre eles Rodrigo, 28 anos, nascido da sua única noite de amor com Mariel Mariscot. Confessa que continua amando Marcus Vinícius de Almeida Brandão, pai de dois de seus filhos e de quem está separada há quase uma década. "Para quem tinha uma pomba-gira, verdadeiro furor uterino, ficar nove anos e meio sem fazer sexo é uma grande prova de que Deus existe." Agora, seu maior sonho é voltar a fazer novelas. Mesmo assim, recusou o convite de Walter Avancini para viver uma bruxa em Brida. "Posso fazer uma prostituta, mas bruxa não, porque lida com as trevas", disse ela na entrevista calorosa e ousada que concedeu a ISTOÉ.
ISTOÉ – A imagem que ficou da estrela do cinema dos anos 70 é a de uma mulher atormentada por drogas. O que você, de fato, experimentou naquela época?Darlene Glória – Experimentei LSD, maconha, cocaína e bolinhas. Só não tomei picada. Não descartava remédio para acordar e também para dormir. Era todo dia, a qualquer hora. Às vezes, dava um espaço de dois dias para me recuperar. Foi um milagre não ter morrido de overdose.
ISTOÉ – Você chegou a dizer numa entrevista que era a Vera Fischer da sua época. Que conselhos daria agora para ela?Darlene – Isso me aborreceu. É preciso muito tato e isso saiu numa revista evangélica. Tenho muito carinho por Vera, admiro e oro por ela. Se tivesse que ajudá-la, não seria pela imprensa. Mas a verdade é que eu fui muito mais fundo que ela. Tenho compaixão e sei que Vera vai sair dessa, porque o Brasil inteiro reza por essa mulher maravilhosa. Sei da angústia que ela vive. Muita gente olha de fora e pensa que ela tem uma vidona, que tem tudo, mas nem imagina o que é seu inferno interior.
ISTOÉ – Da sua trajetória passada, qual foi o fundo do poço?Darlene – Foram os dias que antecederam minha conversão. Cheguei de volta do Festival de Berlim, em 1973, no auge da fama. Eu me sentia vitoriosa, reconhecida como atriz e não só como a mulher que se despia na tela. Voltei com todos os troféus, mas queria morrer. Era capa de revistas e eu com uma taquicardia que me consumia. Amargava dias difíceis, andando encurvada como se carregasse um peso de 500 quilos nas costas. A droga era parte da minha rotina.
ISTOÉ – Você sofreu dois estupros seguidos e perdeu assim sua virgindade. Como aconteceu essa tragédia?Darlene – Era candidata a Miss Cachoeiro de Itapemirim e meu sonho era chegar a Miss Espírito Santo. Tenho certeza de que foi tudo armado por minha hostess, que me dopou. Quando me dei conta, apaguei. Só sei que o homem que praticou a violência era rico. Acordei com um forte barulho de pancadas na porta, sem roupa e com o lençol manchado de sangue. O estuprador tinha mandado seu empregado completar o serviço. Foram dois estupros seguidos, nem tinha acordado direito e veio o outro, um jumento que quase me matou. O estuprador rico disse que se eu falasse alguma coisa era uma mulher morta. Logo eu, que sonhava com o príncipe encantado.
ISTOÉ – É verdade que você foi uma garota de programa?Darlene – Numa fase da minha vida fazia essas coisas. Mas me revoltava. Por que minha profissão não me dava o dinheiro suficiente para viver? Artista e prostituta naquela época eram a mesma coisa. Não havia reconhecimento. Isso foi muito antes de eu me tornar famosa.
ISTOÉ – Depois, quando já era uma estrela, você teve um romance com Mariel Mariscot, policial ligado ao Esquadrão da Morte. É o pai, inclusive, de um de seus filhos, Rodrigo, 28 anos. Como aconteceu?
Darlene – Eu e Mariel nunca vivemos juntos e, na única noite em que dormimos lado a lado, fiquei grávida de Rodrigo. Foi uma época de desencontros, porque ele achava que eu era louca, drogada. Eu o amei demais. Ele era machão e eu não era submissa, mas uma rebelde. Então, não funcionava. Mas ficou o Rodrigo, que não é um filho, mas o melhor amigo que tenho na Terra (chama Rodrigo na sala, um rapaz simpático, a cara de Mariel Mariscot). Esse rapaz lindo é músico, compositor e vai lançar um disco solo. Contei a ele a história de amor que vivi com seu pai. Muita gente queria matar Mariel, porque ele também matou muita gente. Queria aparecer de bom moço, como pai do filho de Darlene Glória, e eu queria esconder o menino, assustada. Eu e Rodrigo tivemos que fugir várias vezes de pessoas que queriam nos matar. Houve até tentativa de rapto. Foram 18 anos de perseguição.
ISTOÉ – Seu último marido, Marcus Vinícius de Almeida Brandão, não era figura tão polêmica, mas consta que ele a deixou para viver com uma mulher de 20 anos. Você não tem mágoas?Darlene – Ele se casou com uma mocinha, mas não estão mais juntos. Os homens gostam de fazer isso. Várias amigas minhas, como Betty Faria, Suzana Vieira e Lígia Azevedo, só querem garotos. E os homens só querem meninas. Eu não quero um garoto, já passei dessa fase. Eu ainda amo meu marido, mesmo que me proíba de usar seu nome ou fale mal de mim.
ISTOÉ – Não houve mais ninguém em sua vida depois dele?Darlene – Nunca mais. Sou uma "fonte selada", expressão bíblica. Não espero ninguém mais, porque sei que meu príncipe voltará. Para quem tinha uma pomba-gira, verdadeiro furor uterino, ficar nove anos e meio sem fazer sexo é uma grande prova de que Deus existe.
ISTOÉ – Você e Leila Diniz causaram sensação nos anos 60. Quais são suas melhores recordações dela?Darlene – Leila é uma referência fundamental na minha vida. Éramos as rainhas da zona sul do Rio. Ela reinava em Ipanema e eu em Copacabana. Cada uma tinha o seu território. Muitas vezes trocamos namorados. Só que era tudo limpo. Só acontecia depois que a outra já tinha desistido do cara. Não esqueço seu jeito escrachado. Uma vez, eu estava num cabeleireiro de Ipanema, sentada ao lado de dona Yolanda Costa e Silva, mulher do presidente Costa e Silva, quando Leila chegou radiante, dizendo todos os palavrões que sabia. Foi um escândalo. Pouco tempo depois, eu estava tomando banho de sol no Iate Clube, quando ela surgiu de braço com o namorado, César Tedim (ex-marido de Tônia Carrero), e pediu para que eu, dessa vez, segurasse meus instintos, porque César era o amor de sua vida. Eu gritei: "Macho novo!" Foi outro escândalo. Quando recebi a notícia da morte de Leila, tinha acabado de queimar um charuto de maconha no camarim, em um teatro de São Paulo. Entrei em desespero.
ISTOÉ – Você conviveu com os cineastas brasileiros que dominaram a cena nos anos 60 e 70 como Arnaldo Jabor, diretor de Toda nudez será castigada. O que você sente quando hoje vê Jabor fazendo comentários na televisão?Darlene – Me dá tristeza. Gemo por dentro. Está traindo a si mesmo, porque ele é muito mais que aquilo. É um iate se fazendo de barquinho.
ISTOÉ – Em seu livro você conta que se deslumbrou com a consagração de atriz. Como foi isso?Darlene – Não foi deslumbramento e sim angústia. A constatação de que eu era reconhecida foi um desafio alcançado. Mas a glória me trouxe a sensação de derrota, de fracasso. Acabaram-se os desafios, não tinha mais por que lutar.
ISTOÉ – Foi nessa época que você esteve internada no Hospital Psiquiátrico Pinel?Darlene – Não tinha mais como subir profissionalmente. Fui até convidada para filmar na Universal Pictures, em Hollywood, mas passei o tempo todo nos Estados Unidos tomando porres com Tom Jobim e sua mulher na época. Fui para ficar um mês com um diretor alemão, por quem tinha me apaixonado. Mas quando voltei, me tranquei em casa para morrer. Nesse tempo, estava envolvida com um português rico, 30 anos mais velho, que era o diabo em pessoa. Não conseguia me livrar dele. Tomava todas as drogas e quando voltava estava naquela realidade terrível. Vários artistas iam para a clínica Dr. Eiras, em Botafogo, para se desintoxicar. Vinícius de Moraes foi um deles. Uma noite, desesperada, peguei um táxi e fui para lá dizendo que ia morrer, mas não quiseram me internar. Em outra crise de angústia resolvi ir para o Pinel. Botei um salto com plataforma de 16 cm, uma saia azul cheia de pontas e um batom vermelho. Entrei gritando help, help! (socorro, socorro!). Eu me senti a Marilyn Monroe. Quando vi a injeção de sossega leão, quis fugir. Mas aí era tarde.
ISTOÉ – É verdade que você chegou a sofrer uma parada cardíaca, resultado da mistura de drogas com uma injeção de sossega leão?Darlene – Fui para São Paulo fazer o papel principal de O marginal, com direção de Carlos Manga. Passei a noite inteira bebendo e, quando estava dormindo, esse senhor português apareceu no hotel com enfermeiros de uma clínica particular e me tiraram do ar com a sossega leão. Saí do corpo. Tive uma regressão até os dez anos, vi a claridade do trono de Deus. E, ao mesmo tempo, era uma mulher de 30. Aos dez anos me entreguei a Deus e tinha me esquecido disso. Tenho certeza de que foi esse voto que me manteve viva. Quando acordei, o médico me disse: "Você morreu!" E entendeu depois que tinha sido um plano contra mim. Podia ter morrido.
ISTOÉ – Como começou seu envolvimento com os centros de candomblé e umbanda? Darlene – A ligação com o candomblé se iniciou domesticamente. Tinha um tio na família, Liliu, que foi pai-de-santo durante 50 anos, mas se converteu agora à Assembléia de Deus. Certa noite, meu tio me acordou com gritos horrorosos, como se um porco estivesse sendo estripado e morto. Vi horrorizada que ele se contorcia e espumava no chão. Sabia que se tratava de uma manifestação demoníaca. De outra vez, viajei com três pais-de-santo que diziam que me salvariam do mal. Chegamos em um lugar deserto e ermo, onde havia uma casa cinza e sem janelas. Aí, eles disseram: "Vai descer o pessoal do cemitério!" Quis escapar, mas eles tinham as chaves. Começou então uma orgia infernal. Os três se transfiguraram horrivelmente, contorcendo-se enquanto desciam até o chão como répteis, entortando mãos e pés para trás, babando e revirando os olhos. Espumavam e não falavam nada, só grunhiam feito porcos, como fazia meu tio. Onde fui cair, meu Deus!
ISTOÉ – Apesar de tanto sofrimento, você nunca se descuidou da aparência. Qual é o segredo? Darlene – Fiz várias cirurgias plásticas. Vou dando toques. Mulher tem que fazer isso. Se eu não gostar de mim, não posso gostar de ninguém. Agora mesmo acabei de fazer uma plástica para consertar uma burrada, que me deixou com a boca grande demais.
ISTOÉ – O que significou para você escrever Uma nova Glória?Darlene – A realização de um sonho. Desde a conversão, contava minha história de uma forma fragmentada. Comecei a escrever várias vezes e parava. Era quase uma obrigação minha, impulsionada por Deus. Escrevi nos Estados Unidos e, às vezes, interrompia para chorar (os olhos se enchem de lágrimas).
ISTOÉ – Roberto Faria vai dirigir o filme baseado no livro. Quem você gostaria que fosse a Darlene?Darlene &
ISTOÉ – É verdade que você chegou a sofrer uma parada cardíaca, resultado da mistura de drogas com uma injeção de sossega leão?Darlene – Fui para São Paulo fazer o papel principal de O marginal, com direção de Carlos Manga. Passei a noite inteira bebendo e, quando estava dormindo, esse senhor português apareceu no hotel com enfermeiros de uma clínica particular e me tiraram do ar com a sossega leão. Saí do corpo. Tive uma regressão até os dez anos, vi a claridade do trono de Deus. E, ao mesmo tempo, era uma mulher de 30. Aos dez anos me entreguei a Deus e tinha me esquecido disso. Tenho certeza de que foi esse voto que me manteve viva. Quando acordei, o médico me disse: "Você morreu!" E entendeu depois que tinha sido um plano contra mim. Podia ter morrido.
ISTOÉ – Como começou seu envolvimento com os centros de candomblé e umbanda? Darlene – A ligação com o candomblé se iniciou domesticamente. Tinha um tio na família, Liliu, que foi pai-de-santo durante 50 anos, mas se converteu agora à Assembléia de Deus. Certa noite, isso repito que aquilo vai ser um território de Deus. Minha esperança é de que tudo seja luz, e não trevas.
Fonte Revista ISTOÉ 22/06/98
http://www.angelfire.com/md/umadblu/darlene.html

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