Karate Do ou… Karate Jutsu?
O que me leva a escrever este artigo emana de uma preocupação sobre o actual panorama do karate internacional. Esta é provavelmente a arte marcial mais praticada no mundo e teve nos poucos anos da sua existência, contando apenas com a actual denominação, uma expansão extraordinária e verdadeiramente notável.
Uma pergunta fica no ar. Como é que uma arte de reconhecida eficácia marcial e com golpes letais se torna numa arte
praticável por crianças?! A resposta é simples, retirando e atenuando as técnicas perigosas. Foi o que aconteceu ao antigo Te de Okinawa quando foi introduzido em escolas e universidades. A actual denominação têm na sua essência essa nova tendência, a mudança de antigos nomes como tode jutsu, Okinawa kempo jutsu ou simplesmente te, para karate do – a via da mão vazia, alerta para a necessidade de crescimento espiritual e físico num “desporto” que pode ser praticado por todos, quebrando com as designações associadas ao kempo Chinês.
Esta mudança teve um custo marcial, à qual muitos mestres não ficaram alheios levando a vários alertas sobre o perigo que esta acarretava, conduzindo a que a abordagem virada para a pura eficácia tenha sido alterada para componentes de treino mais seguros desvirtuando, de certa forma, a sua essência.
A parte Do incute no praticante a importância do crescimento espiritual a par do desenvolvimento físico e do culto da moral e dos valores. Apesar de ser louvável e de extrema importância, uma arte marcial não se pode definir apenas por este caminho. Se o treino não for sentido e a eficácia acurada estaremos num caminho ilusório que não conduzirá ao nosso verdadeiro crescimento como seres humanos e praticantes de artes marciais.
Este apógeu bem como a introdução de conceitos de desporto moderno tornaram o karate actual num sucedâneo do antigo kempo de Okinawa. A forte presença do Judo como arte marcial no Japão levou também a que o karate perde-se grande parte das técnicas de projecção, luxações, estrangulamentos, etc.
O karate dos nossos dias tem nitidamente um défice de budo e de eficácia, apesar de termos praticantes brilhantes e exímios lutadores. Mas quando falamos de arte marcial tem de haver algo mais que isso. Reparem que a maior parte
das aplicações dos kata que fazemos são contra murros directos ao peito ou cara a partir de uma distância confortável que muito pouco põe em causa a nossa integridade, mesmo que o adversário seja muito rápido. Para muitas das técnicas dos kata não se conhece aplicação e outras nem sequer aplicamos quando lutamos nos nossos dojos em kumite livre. Se não as utilizamos para que servem? Muitos de nós treinam técnicas que não tem aplicação em combate real. Pura e simplesmente não tem. Isto é um facto histórico, tal como referi anteriormente, consequência da introdução do karate para as crianças de Okinawa e na sua disseminação para o grande Japão.
O karate convida a reflexão e à interrogação, por isso devemo-nos perguntar qual o intuito do nosso treino, qual o fio condutor. Aprender de “empreitada” 40 kata não dará mestria marcial a ninguém. Cada kata é um mundo com um infindável repertório de técnicas que nos permitem “sair” de qualquer situação desfavorável. É esse o sentido marcial do karate que se perdeu com o tempo. Antigamente muitas escolas apenas tinham um ou dois para o seu treino.
As actuais directivas de treino, transversais a todos os estilos e associações, causam em alguns praticantes a necessidade de ir beber a outras artes o que à muito se perdeu. Alguns lhes chamarão dissidentes ou que desvirtuaram o seu karate, que não conseguiram percorrer o exigente caminho. Eu chamo-lhes visionários que perceberam as lacunas do seu treino e percorreram o seu próprio caminho, o seu Do.
Acho de extrema importância esta consciência que a nossa arte actual é o produto de uma minimização
de conteúdo e de uma massificação. Estamos virados para indicadores de grupo, para números, para curvas de evolução. Tudo isso é importante mas é igualmente importante ensinar aos nossos alunos que uma simples técnica pode significar uma variedade de aplicações e que ele tem um papel activo na sua interpretação.
Lanço o desafio à comunidade karateca para dar a sua opinião sobre este tema. Penso que seria de extrema importância, atendendo ao actual panorama, a criação de grupos de estudo sobre o kempo tradicional de Okinawa, vulgo karate jutsu, cuja incomensurável riqueza esta em risco de se perder para os anais da história.
Não sou defensor do antigo mas sim da modernidade de uma arte que não pode perder as suas raízes. O karate está e estará em constante evolução e cada um de nós, apesar de “milhentos”, tem um papel muito importante e seremos sempre poucos quando além de um técnica quisermos mudar uma mentalidade…
Fonte: Mário Magalhães - http://kunshinoken.wordpress.com/2008/12/30/karate-do-ou-karate-jutsu/
PS: Alguns sites que podem consultar sobre o assunto:
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